O homem-voador

Texto concebido em Campinas [SP/BRA] 1988-1989

Argollo Ferrão, A. M. de (1988-1989). O homem-voador [web]. Disponível em <http://argollo.org/tri/tri1/tri1-137/>.

isbn 978-85-908725-1-1 / Publicado em 2008

Argollo, A. (2008). O homem-voador. In A. M. de Argollo Ferrão (Ed.). Ver a Cidade (pp. 112-115). Campinas [SP/BRA]: O Autor.

ISBN 978-84-936996-0-4 / Traduzido para o espanhol e publicado em 2009

Argollo, A. (2009). El hombre volador. En A. Argollo. Ver la Ciudad. Un guión poético con ojos de veracidad (pp. 185-188) (Colección Caravasar) (M. A. Suárez Escobio, Trad.). Gijón [Asturias/ESP]: CICEES. (Original en portugués publicado en 2008).

O homem-voador

A relação de dominação existente entre os homens
É absurda e não deveria ocorrer.
Parece-me inerente ao lado animal presente
Em nosso ser.

Desde o surgimento das primeiras tribos,
Já havia uma relação de dominação
Favorável aos que possuíssem
Maior força física.

Depois veio a espada…
Depois veio o canhão…
Até que enfim o dinheiro
Dominou o mundo inteiro.

Os mais fortes lideravam os grupos hominídeos ancestrais
E os mais fracos, muitas vezes, subjugados,
Não sobreviviam, ou então
Fortaleciam-se como grupo, subjugando grupos rivais.

Com a evolução das capacidades mentais do homem,
Com a evolução de suas técnicas e, conseqüentemente,
Com a evolução de suas instituições políticas,
Surge uma nova forma de dominação:

O poder para quem possui mais conhecimento.

Hoje em dia, domina quem possui mais conhecimento e não quem bate mais forte. Força e inteligência são características humanas que deveriam ser empregadas para a libertação da humanidade, mas infelizmente não são. Manipuladas, servem para a obtenção de fins diametralmente opostos.

O homem nasce livre? Qual o conceito mais preciso de liberdade? De onde surge esse desejo inerente ao animal-homem de dominar seu semelhante? Se o homem pudesse voar, como você imaginaria seu corpo? Com asas? Ou tipo super-homem? De qualquer maneira, ele teria um grau de liberdade maior.

Flutuar sobre as paisagens da Terra…
Tomar sol flutuando…
Voar pelado…

Não! Ninguém voaria pelado. As pessoas não andam peladas (e bem que poderiam andar)… Então por que voariam? Só se fosse em nuvens (como praias e campos) de nudismo…

Existiriam novas modalidades olímpicas:
– Vôo raso: velocidade e resistência.
– Vôo cross: equipamentos e barreiras flutuantes.
– Vôo artístico: livre e exercícios básicos.
– Vôo clássico: flutuação e dança.

Os costumes mudariam muito…

Os atletas voariam mais alto e com maior rapidez. Os artistas decorariam as nuvens. O tropeço de um homem-voador mais apressado ou desastrado poderia ser fatal. Teríamos espetáculos de música, teatro, esportes, atividades culturais em geral ao redor de uma montanha para a qual os espectadores iriam voando. Para voar à noite, teríamos que bolar uma espécie de farol, tipo vaga-lume, sei lá… Não dá para iluminar todos os caminhos de um homem-voador. Isso nem teria graça. O homem-voador bêbado voaria de maneira irregular, tipo borboleta. O exército teria uma tropa de soldados-voadores que marcharia, ou voaria, de maneira apropriada. Seria um vôo-marcha. A arquitetura e as construções teriam características diferentes. Haveria um espaço para decolagem e aterrissagem de moradores ou visitantes, uma espécie de hall de entrada para homens-voadores, diferente do destinado aos pedestres. Um novo tipo de moradia poderia ser mais adequado: uma casa-balão. Seria um balão ancorado a algum lugar fixo à terra, ou a alguma plataforma aérea. A casa-balão seria apenas um lugar para dormir protegido das intempéries. Ela estaria flutuando e os moradores flutuando dentro dela. Numa sociedade constituída por homens-voadores não haveria necessidade de veículos automotores, e portanto, menos poluição! As pessoas poderiam transar flutuando. Haveria um grau de preocupação maior para as mães de meninos-voadores levados. O garoto não só empinaria a pipa como poderia voar com ela, ou empinar outro garoto que se dispusesse a fazer o papel de pipa. Subir nas árvores seria uma atividade banal que já não atrairia tanto os moleques mas sim os adultos: para descansar nos galhos de um aconchegante flamboyanttipo pardal, urubu, ou qualquer coisa do gênero. Apanhar coco seria moleza. O homem levaria uma vida mais saudável. Não haveria limites de propriedades, pois cercas, muros, fossos seriam tentativas ridículas de impedir a entrada de alguém. Talvez nem houvesse a necessidade de impedir a entrada das pessoas nos lugares, já que entrar em qualquer lugar seria menos divertido que ficar de fora voando ou flutuando. Enfim, seria uma maravilha completa… Uma sociedade constituída de homens-voadores que não tivessem o desejo de dominar seus semelhantes. Já seria uma maravilha assim, sem voarmos, imaginem se voássemos… A sensação de liberdade seria incrível.

Porém, se o homem voasse e os sistemas sociais, políticos, econômicos e morais fossem os mesmos vigentes na Terra hoje, estaríamos completamente “ferrados”, como mulas e cavalos domesticados…

Bandos de ladrões-voadores seriam formados. A polícia fiscalizaria o cidadão-voador comum e o impediria de voar em lugares determinados. Os poderosos tentariam a todo custo diminuir a capacidade de vôo do povão, impingindo-lhe uma alimentação insuficiente e inadequada a um homem-voador. Haveria, então, uma população voadora e outra pedestre, sendo que a voadora seria dominante na sociedade. A população pedestre, quando revoltada, teria grande desvantagem num confronto direto com as tropas-voadoras de elite. A transgressão à lei seria punida com a cassação da licença de vôo-livre, e o infrator ficaria preso num viveiro… tipo periquito, arara ou algo do gênero. Castigo para um homem-voador seria ter presa aos pés uma corrente ligada a um grande peso, ou, então, ter amarrada à cintura a ponta de uma corda com a outra presa ao chão, permitindo o vôo apenas dentro do raio determinado pelo seu comprimento. Moleques-voadores travessos carregariam moleques-pedestres indefesos até uma altura razoável para então soltá-los e deixá-los esborracharem-se no chão. Moleques-pedestres valentes contra-atacariam com estilingues ou espingardas de chumbo, na tentativa de abaterem moleques-voadores desavisados em vôo, ou então descansando pousados em galhos de árvores, antenas, telhados ou algo do tipo. Garotas-pedestres interesseiras só transariam com garotos-voadores, desprezando os pedestres. Elas seriam levadas por aqueles até uma altura razoável, e diante da pergunta “dá ou desce”, optariam sempre pela primeira opção. A relação entre os homens poderia ser bem mais complicada do que hoje é.

A verdade é que o homem encerra no peito o desejo de dominar, de ser mais que o outro, subjugar. Desejo provocado pelo orgulho, pelo egoísmo, pelo narcisismo que existe na essência dos seres humanos. É bom que o homem não possa voar, pelo menos enquanto não evoluir e abandonar esses sentimentos mesquinhos que tanto o vulgarizam e o aproximam da escuridão total – fria, infinita, tenebrosa. Quando conseguir se livrar desses sentimentos perniciosos, então o homem poderá voar. Estará livre para voar… Livre para sonhar, viajar, enfim… Tudo de bom no ar: viver, ir e vir, sair por aí e voltar. Permanecer… Em plenitude. E então seremos homens-voadores, eternamente livres para amar.

El hombre volador

La relación de dominio existente entre los hombres
Es absurda y no debería ocurrir.
Me parece inherente al lado animal presente
En nuestro ser.

Desde el surgimiento de las primeras tribus
Ya había una relación de dominación
Favorable a los que poseyesen
Mayor fuerza física.

Después vino la espada…
Después vino el cañón…
Hasta que al fin el dinero…
Dominó el mundo entero.

Los mas fuertes lideraban los grupos de homínidos ancestrales
Y los más débiles, muchas veces, subyugados,
No sobrevivían, o entonces
Se fortalecían como grupo, subyugando a grupos rivales.

Con la evolución de las capacidades mentales del hombre,
Con la evolución de sus capacidades técnicas y, consecuentemente,
Con la evolución de sus instituciones políticas,
Surge una nueva forma de dominación:

El poder para quien posee más conocimiento.

Hoy en día, quien domina posee más conocimiento y no quien pega más fuerte. Fuerza e inteligencia son características humanas que deberían ser empleadas para la liberación de la humanidad, pero desgraciadamente no lo son. Manipuladas, sirven para la obtención de fines diametralmente opuestos.

¿El hombre nace libre? ¿Cuál es el concepto más preciso de libertad? ¿De dónde surge ese deseo inherente al animal-hombre de dominar a su semejante? Si el hombre pudiese volar, ¿cómo imaginarías su cuerpo? ¿Con alas? ¿O tipo superman? De cualquier manera, tendría un grado de libertad mayor.

Fluctuar sobre los paisajes de la Tierra…
Tomar el sol fluctuando…
Volar desnudo…

¡No! Nadie volaría desnudo. Las personas no andan desnudas (y bien que podrían andar)… Entonces, ¿por qué volarían? Sólo si fuese en nubes (como playas y campos) de nudismo…

Existirían nuevas modalidades olímpicas:
– Vuelo raso: velocidad y resistencia.
– Vuelo cross: equipamientos y barreras fluctuantes.
– Vuelo artístico: libre y ejercicios básicos.
– Vuelo clásico: fluctuación y danza.

Las costumbres cambiarían mucho…

Los atletas volarían más alto y con mayor rapidez. Los artistas decorarían las nubes. El tropiezo de un hombre-volador más apresurado o torpe podría ser fatal. Tendríamos espetáculos de música, teatro, deportes, actividades culturales en general alrededor de una montaña hacia la cual los espectadores irían volando. Para volar por la noche, tendríamos que colocar una especie de faro, tipo luciérnaga, qué sé yo… No se pueden iluminar todos los caminos de un hombre-volador. No tendría gracia. El hombre-volador borracho volaría de manera irregular, tipo mariposa. El ejército tendría una tropa de soldados-voladores que marcharía, o volaría, de manera apropiada. Sería un vuelo-marcha. La arquitectura y las construcciones tendrían características diferentes. Habría un espacio para el despegue y el aterrizaje de los habitantes, una especie de hall de entrada para hombres-voladores, distinto del destinado a los peatones. Un nuevo tipo de vivenda podría ser más adecuado: una casa-globo. Sería un globo anclado a algún lugar fijo a la tierra, o a alguna plataforma aérea. La casa-globo sería apenas un lugar para dormir protegido de la intemperies. Ella estaría fluctuando y los habitantes fluctuando dentro de ella. En una sociedad constituida por hombres-voladores no habría necesidad de vehículos automotores, y por tanto, ¡menos contaminación! Las personas podrían hacer el amor fluctuando. Habría un grado de preocupación mayor para las madres de los niños-voladores traviesos. El niño no sólo empinaría la cometa sino que además podría volar con ella, o empinar a otro niño que se dispusiese a hacer el papel de cometa. Subir a los árboles sería una actividad banal que no atraería tanto a los niños pero sí a los adultos: para descansar en las ramas de un acogedor flamboyant… tipo gorrión, buitre, o cualquier cosa del género. Coger cocos estaría chupado. El hombre llevaría una vida más saludable. No habría límites de propiedades, pues cercas, muros y fosos serían tentativas ridículas de impedir la entrada de alguien. Tal vez no hubiese necesidad de impedir la entrada de las personas en los lugares, ya que entrar en cualquier lugar sería menos divertido que quedarse fuera volando o fluctuando. En fin, sería una auténtica maravilla… Una sociedad constituida por hombres-voladores que no tuviesen el deseo de dominar a sus semejantes. Ya sería una maravilla así, incluso sin poder volar, imaginad entonces si volásemos… La sensación de libertad sería increíble.

Sin embargo, si el hombre volase y los sistemas sociales, políticos, económicos y morales fuesen los mismos que rigen en la Tierra hoy, estaríamos completamente “fastidiados”, como mulas y caballos domesticados…

Se formarían bandas de ladrones. La policía controlaría al ciudadano-volador común y le impedía volar en lugares determinados. Los poderosos intentarían a toda costa disminuir la capacidad de vuelo del pueblo, endilgándole una alimentación insuficiente e inadecuada para un hombre-volador. Habría, entonces, una población voladora y otra de peatones, de modo que la voladora sería la dominante en la sociedad. La población de peatones, rebelada, tendría una gran desventaja en un choque directo con las tropas voladoras de elite. La transgresión de la ley sería castigada con la retirada de la licencia de vuelo libre, y el infractor sería encarcelado en un vivero… tipo periquito, papagayo o algo del género. El castigo para un hombre-volador consistiría en amarrarle los pies con una cadena de la que pendiese un gran peso, o sino, en rodearle la cintura con el extremo de una cuerda mientras el otro extremo se fijaba al suelo, permitiendo el vuelo apenas dentro de un radio determinado por la longitud de dicha cuerda. Los mocosos-voladores traviesos transportarían niños-peatones indefensos hasta una altura razonable para soltarlos luego y dejar que se hiciesen añicos contra el suelo. Niños-peatones valientes contraatacarían con tirachinas o escopetas de plomo, en la tentativa de abatir a los mocosos-voladores distraídos en pleno vuelo, o posados en las ramas de los árboles, en las antenas, en los tejados o lugares así. Las chicas-peatones aprovechadas sólo habrían el amor con chicos-voladores, despreciando a los peatones. Ellas serían llevadas por aquellos hasta una altura razonable, y ante la disyuntiva “o te dejas o bajas”, optarían siempre por la primera opción. La relación entre los hombres podría ser bastante más complicada de lo que es hoy.

La verdad es que el hombre encierra en el pecho el deseo de dominar, de ser más que el otro, de subyugar. Deseo provocado por el orgullo, por el egoísmo, por el narcisismo que existe en esencia de los seres humanos. Está bien que el hombre no pueda volar, por lo menos mientras no evolucione y abandone esos sentimientos mezquinos que tanto lo vulgarizan y lo aproximan a la oscuridad total – fría, infinita, tenebrosa. Cuando sea capaz de librarse de esos sentimientos perniciosos, entonces el hombre podrá volar. Estará libre para volar… Libre pra soñar, viajar, en fin… Todo lo bueno ese hará en el aire: vivir, ir y venir, salir por ahí y volver. Permanecer… En plenitud. Y entonces seremos hombres-voladores eternamente libres para amar.