Comunicação astral

Texto concebido em Campinas [SP/BRA] 1988-1989

Argollo Ferrão, A. M. de (1988-1989). Comunicação astral [web]. Disponível em <http://argollo.org/tri/tri1/tri1-145/>.

isbn 978-85-908725-1-1 / Publicado em 2008

Argollo, A. (2008). Comunicação astral. In A. M. de Argollo Ferrão (Ed.). Ver a Cidade (pp. 123-125). Campinas [SP/BRA]: O Autor.

ISBN 978-84-936996-0-4 / Traduzido para o espanhol e publicado em 2009

Argollo, A. (2009). Comunicación astral. En A. Argollo. Ver la Ciudad. Un guión poético con ojos de veracidad (pp. 202-205) (Colección Caravasar) (M. A. Suárez Escobio, Trad.). Gijón [Asturias/ESP]: CICEES. (Original en portugués publicado en 2008).

Comunicação astral

Não adianta me olhar assim. Você virá comigo, pois já viveu o bastante. Pode implorar, clamar, pedir, mas você virá. Está decidido. O que mais você quer da vida? Você já não sonhou o bastante?

Você já beijou a morena mais bela, que impregnou-lhe o seu cheiro e sabor, você já a possuiu, já sentiu o corpo dela, seu perfume de flor que tem cor… De rosa: turquesa, amarela. Você já subverteu o status quo, já amou, já chorou enquanto todos achavam que sorria. Ninguém de você teve dó. Você já sentiu saudade, e aquela fossa ao som dos Rolling Stones, dançou porém. Já desenhou, já projetou, já desdenhou e também sofreu muito por causa de alguém… E da matemática… Você venceu, sorriu, passou.

Você viajou muito, conheceu lugares, foi além. Comeu pollo con papas, cambiaste dólar, peso, cruzeiro, real. Já subiu a montanha, foi lá e tocou a neve, tocou as nuvens… Já sentiu dor de dente, e tesão na madrugada. Acordou com o beijo da gata, deu boa noite aos pais, chorou no colo da mãe, ardeu em noches calientes… E sentiu o peso do mundo nos ombros: a fome na Etiópia, a fome no Brasil, a fome na esquina de casa, há fome em toda parte.

Conheceu várias pessoas: ricas, pobres e nem tanto. Passou fins de semana na praia, passou fins de semana no campo, outros fins na favela. Já tomou pinga com mel (pinga com mel e canela), cerveja com amigos, e fez serenata pra ela. Já se sentiu sozinho no mundo, fechou os olhos pra tudo ao ver fechadas janelas. Lutou, batalhou e venceu, mas conta algumas derrotas.

Soube amparar o próximo, soube fazer amigos. Já tentou fazer poesia (e acho até que conseguiu), já se transformou num boto goês (sacerdote hinduísta em Goa), e também num boto cor-de-rosa (o mesmo da lenda amazônica), mergulhou, deslizou sob a lâmina d’água de uma corredeira pacífica, rasa e sombreada, adquiriu velocidade, extrema velocidade, voou à velocidade da luz, subiu aos céus e mergulhou novamente: looping… Explodiu e encontrou o azul.

Passou carnavais na Bahia, Recife, Ubatuba, Olinda… Em Minas e em Campinas também… Constatou que o Rio é mesmo lindo! Eu o vejo chorando e sorrindo, mas sempre o vejo só. Pois você já andou sozinho pelo centro de São Paulo, já atravessou a Paulista, e continuou sozinho. Já se sentiu respeitado, alguém já não o entendeu. Já chorou muito e isso até que lhe fez bem, hoje em dia é o que lhe falta, mas há que se contentar com o que se tem.

O amor astral é grande, você conhecerá outros planetas. Sabe, Alpha III (?!)…

Você com seus cabelos cheios e grisalhos já desfrutou de muito cafuné… Com sua boca santa já cantou, já sorriu, já beijou demais… Bocejou e proferiu palestras (lacônicas e prolixas), mas também praguejou e disse muito palavrão. Seus olhos castanhos já puderam enxergar o que nem sempre com clareza se vê, e leram poesia… Vinicius, Bandeira, Drummond, Pessoa… Pessoas que passam e olham e vêem, e vêm e vão…Você já ouviu a canção… Chico, Caetano e Gil, que tal escrever outro livro? Você gosta de arquitetura: dança, transa e desenha. Sempre deixa pra depois o amor que quer ter pra já. Sentiu a pele da negra, a grande temperatura, a energia oriental: olhos, boca, e o sexo – fêmea, animal sensual.

Você já passou vergonha, já ouviu muita baixaria, teve de ser cara-de-pau, e por falar em pau, já viu muita pancadaria… De toda espécie. Lamentou-se por ser humano. Correu na praia, andou muito, já acordou cedinho pra tomar café com leite e pão bem quentinho. Já teve amantes, já teve amores bastantes, foi romântico, apaixonado. Comia todo dia… Feijão com arroz, e bife acebolado. Comia de vez em quando… Feijoada, acarajé, e peixe ensopado. Já conversou com a baiana, já viu baixar o santo, já transou no ônibus. O que mais você quer?

Você já sentiu muitas vezes a frieza dos colegas, própria dos seres humanos, mas dos colegas? Já tomou café muitas vezes… Depois do almoço, feito na hora, sem açúcar, como gosta. Já comeu pipoca quentinha assistindo a um bom filme na TV… Ou no cinema, bem juntinho no escurinho, um beijinho no rostinho da pequena… Já deu pão para os patinhos na lagoa, prendeu o dedo na porta, quebrou o dente, quebrou a cara, quebrante… Rompeu com a garota azul, tocou violão no quarto, horas a fio… Queimou incenso, queimou imenso, universo intenso. Já tentou levitar, e se transportou para outro plano. Tomou chope em fim de tarde, já foi mal-interpretado, gritou, falou alto, resolveu conversar mas ficou calado. Tomou suco de tangerina, tentou tocar cavaquinho (e acho até que conseguiu), já fantasiou muito, já andou de bicicleta, aprendeu a dirigir, já foi preto e branco: negro, mulato, moreno… Foi verde e azul.

O que mais você quer? Eu poderia listar um milhão de coisas, um milhão de feitos! Sua vida é longa, entrecortada por fases bem vividas, iluminadas, outras sofridas, amarguradas, mas todas bem resolvidas. Você pensa que está acabado? Acha que está velho? Preto velho, branco. Você tem que vir conosco, pois o universo o espera. Planetas, espaçonaves, praias, sóis, semi-sóis que são luas grandes. O que mais você quer? Você já chorou, já transou, já amou, ou… Tentou. Você tem que vir. Está decidido, ponto final.

Comunicación astral

No sirve de nada mirarme así. Vendrás conmigo, pues ya viviste bastante. Puedes implorar, clamar, pedir, pero vendrás. Está decidido. ¿Qué más quieres de la vida? ¿No soñaste bastante?

Ya besaste a la morena más hermosa, que te impregnó de su olor y su sabor, ya la poseíste, ya sentiste su cuerpo, su perfume de flor de color… De rosa: turquesa, amarillo. Ya subvertiste el status quo, ya amaste, ya lloraste mientras todos pensaban que sonreías. Nadie te compadeció. Ya tuviste saudade, y aquél bajón al ritmo de los Rolling Stones, sin embargo, bailaste. Ya dibujaste, ya proyectaste y también sufriste mucho por causa de alguien… Y de las matemáticas… Ya venciste, sonreíste, pasaste.

Viajaste mucho, conociste lugares, fuiste más allá. Comiste frango com fritas, trocou dólar, cruzeiro, real. Subiste a la montaña, fuiste y tocaste la nieve, tocaste las nubes… Ya sentiste dolor de dientes, y deseo en la madrugada. Despertaste con el beso de una chica guapa, diste las buenas noches a tus padres, lloraste en el cuello de tu madre, ardiste en noches calientes… Y sentiste el peso del mundo en los hombros: el hambre en Etiopía, el hambre en Brasil, el hambre en la esquina de casa, hay hambre en todas partes.

Conociste a varias personas: ricas, podres y no tanto. Pasaste fines de semana en la playa, pasaste fines de semana en el campo, otros en la favela. Ya tomaste aguardiente con miel (aguardiente con miel y canela), cerveza con los amigos, y le cantaste una serenata a ella. Ya te sentiste solo en el mundo, cerraste los ojos a todo al ver las ventanas cerradas. Luchaste, batallaste y venciste, pero también tuviste derrotas.

Supiste amparar al prójimo, supiste hacer amigos. Ya intentaste hacer poesía (y creo incluso que lo conseguiste), ya te convertiste en un boto goês (sacerdote hindú en Goa), y también en un boto rosa¹ (al igual que en la leyenda amazónica), buceaste, te deslizaste bajo la lámina de agua de una corriente pacífica, rasa y sombreada, adquiriste velocidad, velocidad extrema, volaste a la velocidad de la luz, subiste a los cielos y sumergiste de nuevo: looping… Explotaste y encontraste el azul.

Pasaste carnavales en Bahía, Recife, Ubatuba, Olinda… En Minas y Campinas también. ¡Constataste que Río es realmente hermoso! Te veo llorando y sonriendo, pero siempre te veo solo. Pues ya anduviste solo por el centro de São Paulo, ya cruzaste la Paulista², y continuaste solo. Ya te sentiste respetado, algunos no te entendieron. Ya lloraste mucho y eso te hizo bien, hoy en día es lo que te falta, pero hay que se contentarse con lo que se tiene.

El amor astral es grande, tú conocerás otros planetas. Ya sabes, Alpha III (¿?)…

Con tu pelo voluminoso y cano disfrutaste de muchas caricias… Con tu boca santa ya cantaste, ya sonreíste, ya besaste mucho… Bostezaste y diste conferencias (lacónicas y prolijas), pero también blasfemaste y dijiste muchos tacos. Tus ojos castaños ya pudieron vislumbrar lo que no siempre se ve, leyeron poesía… Vinicius, Bandeira, Drummond, Pessoa³… Pessoas que passam e olham e vêem, e vêm e vão⁴… Ya oíste la canción… Chico, Caetano y Gil⁵, ¿qué tal escribir otro libro? Te gusta la arquitectura: bailas, haces el amor, dibujas. Siempre dejas para después el amor que quieres tener ahora. Sentiste la piel de la negra, la gran temperatura, la energía oriental: ojos, boca, y el sexo – hembra, animal sensual.

Ya pasaste vergüenza, ya escuchaste muchas groserías, tuviste que ser cara dura, y hablando de cosas duras, ya viste muchas peleas… De toda clase. Te lamentaste de ser humano. Corriste en la playa, caminaste mucho, despertaste temprano para tomar café con leche y pan recién salido del horno. Tuviste amantes, tuviste amores bastantes, fuiste romántico, apasionado. Comías todos los días… Judías con arroz, y bife encebollado⁶. Comías de vez en cuando… Feijoada, acarajé, y caldereta⁷.  Ya charlaste con la bahiana⁸, ya viste bajar el santo⁹, ya fornicaste en el autobús. ¿Qué más quieres?

Ya sentiste muchas veces la frialdad de los colegas, propia de los seres humanos, ¿pero de los colegas? Ya tomaste café muchas veces… Después de la comida, recién hecho, sin azúcar, como te gusta. Ya comiste palomitas viendo una buena película en la tele… O en el cine, bien apretado en lo oscuro, un besito en la cara de la pequeña… Ya les diste pan a los patos de la laguna, ya te pillaste los dedos en la puerta, rompiste la cara, que rompe… Rompiste con la chica azul, tocaste la guitarra en la habitación horas y horas sin parar… Quemaste incienso, quemaste inmenso, universo entero. Ya intentaste levitar, y te transportaste a otro plano. Tomaste cañas al final del día, ya fuiste malinterpretado, gritaste, hablaste alto, decidiste hablar pero te quedaste callado, tomaste zumo de mandarina, intentaste tocar el cavaquinho¹⁰ (y creo que incluso lo conseguiste), ya fantasiaste mucho, ya anduviste en bicicleta, aprendiste a conducir, ya fuiste negro y blanco: negro, mulato, moreno… Fuiste verde y azul.

¿Qué más puedes querer? Podría reseñar un millón de cosas, ¡un millón de hechos! Tu vida es larga, entrecortada por fases bien vividas, iluminadas, otras sufridas, amargadas, pero todas bien resueltas. ¿Piensas que estás acabado? ¿Piensas que estás viejo? Negro viejo, blanco. Tienes que venir con nosotros, pues el universo te espera. Planetas, espacio-naves, playas, soles, semisoles que son lunas grandes. ¿Qué más quieres? Ya lloraste, ya hiciste el amor, ya amaste, o… Lo intentaste. Tienes que venir. Está decidido, punto final.


¹ Según una leyenda amazónica el boto, mamífero cetáceo, se convierte en un hombre de presencia atractiva que frecuenta las fiestas de la región tocado con un enorme sombrero bajo el que oculta su verdadera identidad. Siempre tomaba la precaución de retirarse antes del amanecer, y las madres de las adolescentes alertaban a sus hijas para hacer oídos sordos a los flirteos de los jóvenes apuestos que acudían a las fiestas, ya que podían ser la fachada tras la cual el boto se ocultaba, abrigando propósitos poco nobles, como el de dejarlas embarazadas y abandonarlas. Esta leyenda sirvió para que las chicas embarazadas de padre desconocido responsabilizasen el boto de su situación.

² La Avenida Paulista es una referencia importante de la ciudad de São Paulo. En esta estrofa se hace referencia también a las siguientes localidades brasileñas: Campinas y Ubatuba (ciudades del estado de São Paulo), Recife y Olinda (ciudades del estado de Pernambuco), Minas Gerais, Bahía y Rio de Janeiro (estados brasileños).

³ Referencia a tres grandes poetas brasileños: Vinicius de Moraes, Manuel Bandeira y Carlos Drummond de Andrade; y también a Fernando Pessoa, gran poeta portugués.

“Personas que pasan y miran y ven, y ven y van…” / Se trata de una “autorreferencia” al texto “Marcha lenta” (Marcha lenta) de este mismo libro.

⁵ Referencia a tres grandes compositores e intérpretes de la Música Brasileña: Chico Buarque de Hollanda, Caetano Veloso y Gilberto Gil.

⁶ Referencia al plato típico del acerbo culinario cotidiano del pueblo brasileño.

⁷ Referencia a la cocina brasileña, aunque no a platos cotidianos.

⁸ La “bahiana” (mujer originaria del estado de Bahía), cuando se viste de blanco y ofrece sus manjares en el famoso “tabuleiro da bahiana”, caracteriza un personaje típico del pueblo brasileño.

⁹ En las religiones afro-brasileñas, de carácter espiritualista, se dice “baixar o santo” (bajar el santo) cuando el médium es tomado por la entidad que se manifiesta.

¹⁰ El “cavaquinho” es un instrumento musical típicamente brasileño, muy utilizado por los grupos de “samba” y de “choro” – o “chorinho”. Es un instrumento de cuerdas (4 cuerdas) que tiene el tamaño de un bandolín y el formato de una guitarra.