O que diz o aprendiz

Poema concebido em Campinas [SP/BRA] mar./2005

Argollo Ferrão, A. M. de (2005). O que diz o aprendiz [web]. Disponível em <http://argollo.org/tri/tri3/tri3-102/>.

ISBN 978-85-908725-0-4 / Publicado em 2008

Argollo, A. (2008). O que diz o aprendiz. In A. M. de Argollo Ferrão (Ed.). Entre símbolos e a perfeição (pp. 110-112). Campinas [SP/BRA]: O Autor.

ISBN 978-85-60631-43-8 / Publicado em 2019

Argollo, A. (2019). Poesia e poiesis: o que diz o aprendiz. In R. Pantano Filho (Org.). Anais do X Simpósio da Academia Campinense Maçônica de Letras (pp. 233-239). Indaiatuba [SP/BRA]: Vitória.

O que diz o aprendiz

Atenção meus irmãos, sou um aprendiz e por isso sinto-me feliz. Quanto mais se vive, mais se aprende e quanto mais se aprende, mais se pode dizer que se é: Aprendiz. Todo sábio diz que, quanto mais se sabe, mais se sabe que se é: Aprendiz. Então, meus irmãos, eu sou um aprendiz e por isso sinto-me feliz. E aí — quereis saber: o que diz o aprendiz? Qual a sua impressão sobre a sua condição?

Única…

Como impressão digital,
Como as íris dos olhos,
Como se espera que seja…

E passo a compartilhá-la: tenho sete anos de idade. Não! Tenho três, ou quatro, não sei. Mãe, eu não quero ir pra escola (…) Mas lá se foi o aprendiz. Lembranças da infância vieram-me à mente… Expectativas, anseios, planos… Livros, lanche na lancheira, uniforme novo… Cabelo penteado, estudar, fazer novos amigos…

Bate o sinal… — opa, está na hora! Ponho-me à entrada do portão principal. Alguém venda meus olhos e eu não enxergo mais nada… — Quantos anos tens? Uns trezentos e cinqüenta e sete — penso (…) logo existo! Sinto-me tranqüilo, sento-me e espero. O ambiente não me parece hostil. Alguém, lá no fundo, me diz: — Ei… Você é um mero aprendiz, por isso sinta-se feliz! Na vida a gente nunca deixa de ser — aprendiz — por isso eu nunca deixo de estar — feliz — pois à felicidade se chega por caminhos sutis…

Espera (…) Espero.

E tem quem me pergunte se estou bem. Estou. Bem (…) aqui. O tempo passa, e eu comigo me dou bem: pensamento não me pesa. Espero… E o tempo passa. Ouço ruídos, mas não enxergo nada, não vejo ninguém… A não ser o que na minha tela mental se projeta, e são lembranças da infância que me vêm.

E isso é tudo… Ou nada.

Eu vejo, meus irmãos, a imagem de um crânio que certamente há de ter sustentado a cabeça de alguém, sorrindo para o nada, e isso é tudo… Apenas uma estrutura óssea que sustentava o cérebro, sim, mas os pensamentos… Não. Vejo um caixão… E símbolos e frases, e presto atenção. — Queres desistir? E logo penso: não. Naquele instante bateu-me uma incrível sensação de estar entre a luz e a escuridão (…) remetendo-me, desta feita, à infância não, mas ao útero materno, como um feto, prestes à eclosão — Mãe, agora eu quero ir pra escola (…) E lá se foi o aprendiz. — Queres desistir? — Não — diz o aprendiz — já estamos em comunhão… E logo surge, encapuzado, um irmão que se mostra preocupado com meu estado de aflição. — Você está bem? Pergunta-me o iniciado. — Estou. Bem (…) aqui.

Isso é tudo… Ou nada…

Espero outro tanto, e me some da mente a imagem do crânio sorridente, de olhar evasivo, para o nada… Pois nada somos se não somamos, somos símios — macacada… Que chora e pula e come e dá risada. Portanto, meus irmãos, eu garanto: se isso é tudo… Tudo é nada. E aí subo a escada… Um irmão, um guia, um anjo da guarda me segura pelo braço e me diz: — Segue por aqui, devagar, despe-te de tua farda.

Mas… E o meu quipá, o meu turbante, o meu chapéu? Meu crucifixo “auto-falante”, meu anel? O meu relógio, a minha toga, o meu semblante arrogante? (…) — Despe-te de tudo e espera um instante… Pois foi o que fiz, por isso sinto-me feliz.

Nu, entre a luz e a escuridão, continuei o meu percurso a viajar por terra ou pelo ar, sobre o fogo, sob o mar, e logo me veio à mente a imagem correspondente a rituais repletos de simbologia, de modo tal que eu, como um bom aprendiz, aos poucos absorvia o que cada símbolo exprimia.

Mas foi (e é) flagrante para mim a força do número três. Lembro-me da Santíssima Trindade… E que o número três remete à Divindade. Da geometria temos que três pontos definem um plano — liberdade, igualdade, fraternidade — três pontos essenciais, plano de vida como se a vida fosse um roteiro mapeado por sinais… Astrais. Três lados, três vértices, três ângulos do triângulo. Três traços ortogonais, três dimensões, três visões naturais com repercussões celestiais.

E, se o número três remete à Divindade, o quatro me remete à Humanidade. Ou às coisas que nos cercam: nossa realidade. Pois além dos quatro elementos essenciais, vêm-me à mente os quatro pontos cardinais, as quatro luas, quatro estações, e as quatro (…) Não… São sete… Notas musicais…

É isso, meus irmãos: música! O encontro da Humanidade com a Divindade… E aí temos o número sete — que é quatro mais três — e também nos remete a outras tantas alegorias: pois são sete as Dores de Maria, sete as cores do arco-íris, e sete dias semanais. Deus usou para descansar — o sétimo — após a Sua Criação: Fiat Lux… (era o fim da escuridão)! Paraíso: gozar, desfrutar do ócio, comer bem… Sem excessos, todavia, pois não esqueçais que também são sete os pecados capitais.

E aí eu não parava de pensar… O número doze — que é quatro vezes três — também traz à tona recônditas impressões: pois são doze os apóstolos de Cristo, são doze os meses do ano, e doze os signos zodiacais. Temos a dúzia de contas redondas, e ao meio-dia ou à meia-noite, as doze badaladas triunfais. Doze astros, doze mastros, doze castos ancestrais e um fantasma a assombrar… As doze tribos em insólitos tribunais…

— Mãe (…) eu não quero mais pensar…

Doze, ou sete, ou quatro, ou três…
Meu pensamento era só um:
O de que eu sou um só!
E único!

Como impressão digital…
Como as íris dos olhos…
Como se espera que seja…

Pois ser único é diferente de ser mais um. Sou mais um ser, mas sou o único a ser quem sou: Aprendiz. Eis que, afinal, à luz, à frente, gentis, sábios irmãos, por caminhos sutis, apresentaram-me a fórmula da co-evolução: agir baseado em princípios sublimes que elevam à mais digna condição — liberdade, igualdade, fraternidade. É o que diz o aprendiz: isso é tudo… E tudo é nada. Sigamos a escalada pela escada sacramentada — estrada sagrada — que leva ao nada… E nada é tudo.

E sobre tudo, sobretudo, tudo.