Pista livre

Poema concebido em Campinas [SP/BRA] mar./2007

Argollo Ferrão, A. M. de (2007). Pista livre [web]. Disponível em <http://argollo.org/tri/tri3/tri3-67/>.

ISBN 978-85-908725-0-4 / Publicado em 2008

Argollo, A. (2008). Pista livre. In A. M. de Argollo Ferrão (Ed.). Entre símbolos e a perfeição (pp. 70-71). Campinas [SP/BRA]: O Autor.

Pista livre
Está tudo rápido demais
E assim eu chego logo – a lugar nenhum.
A pista está livre, fim de tarde,
Noite chega e eu não chego,
Olho para a linha tracejada
Que corre no meio da estrada
Contínua – tamanha velocidade –
E o muro do canteiro central
Concreto, reto, real...
É tudo... é nada...
E sobretudo se vê que nada é igual a nada.
Eu me distraio, contudo, todavia...
– (com tudo, toda a via) –
E coço o ouvido – delícia (...)
Com o mindinho esquerdo,
Não há outra possibilidade.
Vejo que num triz o carro sai do caminho
E o muro fica mais perto,
Mais concreto, mais reto, mais real...
Opa! Quase me dei mal.
Eu desacelero... é o pedágio.
Paro – pago – sigo em frente,
Acelero sem a mesma pressa, 
Resolvo apreciar a paisagem,
Aumento o som
E delicio-me com as lembranças
De uma vida que nunca tive.
As linhas tracejadas
No meio da estrada
Correm lentas,
Amarelas...
Amar(elas)...
Inocentes, distraídas, isentas...
E vejo que a viagem chega ao final.
Evito pegar o desvio –
Nada de atalhos, nada de caminhos tortos,
Nada do que não seja absolutamente natural.
Assusto-me com a velocidade que atingi,
Abaixo o som e diminuo a aceleração
Do carro, do meu ritmo de vida,
Do ritmo do meu coração.
Há um tempo decidi
Que não teria mais tanta pressa
De chegar a lugar algum.
É isso. Exatamente...
E se não for? Paciência.
Agora o som que me toca ouvir
É dançante...
Balanço bacana.
Estou perto, muito perto,
Chegando ao ponto...
E, quando chegar, hei de verificar
Que afinal a viagem que fiz
Terá sido algo espetacular,
Terá sido sensacional...
Os sentidos, e os sentimentos de outrora banidos
Como se nunca houvessem existido,
Vêm à tona como uma breve e provocativa
Coceira no ouvido –
Que há de ser coçado – delícia (...)
Com o mindinho esquerdo,
Não há outra possibilidade,
Não há outro caminho:
A estrada da vida é na verdade
Uma pista de única mão
Em que a gente segue sozinho.