O homem branco

Poema concebido em Campinas [SP/BRA] abr./2007

Argollo Ferrão, A. M. de (2007). O homem branco [web]. Disponível em <http://argollo.org/tri/tri3/tri3-71/>.

ISBN 978-85-908725-0-4 / Publicado em 2008

Argollo, A. (2008). O homem branco. In A. M. de Argollo Ferrão (Ed.). Entre símbolos e a perfeição (pp. 74-76). Campinas [SP/BRA]: O Autor.

O homem branco
Perdão jovens putas ameríndias
Por invadir vossas terras
E desterrar vossa riqueza
E vos roubar a pureza
E fazer-vos crer que sou civilizado...
Que possuo o manto sagrado, o cajado,
Legado do único deus-ressuscitado.

Perdão preta velha ancestral
Por fazer do teu reino meu quintal
E te escravizar, te abduzir,
Exilar-te de toda a tua crença
E te trazer doença.
Perdão por te contaminar cada célula
Com minha avareza, compulsão que não compensa.

Perdão odaliscas inocentes
Que mal sabeis o quanto vos quero sugar
Cada gota de petróleo, cada palmo de solo,
E botar-vos no meu colo
Feito um sultão onipotente,
Desfrutar da cultura, da magia, da poesia
De vossa gente que no fundo me é indiferente.

Perdão pobres gueixas distraídas
Por não vos contar meus segredos,
Por vos causar pavor e medo
E vos provocar profundas feridas.
Perdão pela constante blitz, e pelas rondas
Que vos subtraem os melhores scripts,
Perdão por vos calar com as duas bombas.

Perdão aborígenes usurpadas da essência mais pura
De vossas tribos subjugadas, atrasadas
Em relação à minha culta ditadura.
Perdão soberanas tropicais, baianas, havaianas,
Perdão mucamas, ciganas celestiais
Por vos devorar a natureza
E só vos deixar bananas, nada mais.

Perdão doces meninas européias,
Migrantes do leste, nórdicas, ibéricas,
Balcânicas e adriáticas, ítalo-mediterrâneas,
Perdidas camponesas, pálidas princesas...
Por minhas sórdidas atitudes e indelicadezas.
Perdão por amiúde transformar-vos em escravas,
Fazendo-vos sucumbir para abandonar-vos a sós.

Eis que agora que estamos conversados
E eu me sinto acolhido, compreendido,
Finalmente perdoado,
Levantai vossos joelhos,
Mirai nesses espelhos os meus olhos vermelhos,
Quase marejados – reflexo resplandecente,
O valor do vosso trabalho.

Vede o esplendor da imagem que apresento
A todos vós – povos devidamente domesticados, 
E voltai, minha gente, a pagar vossos pecados
Com o que vos resta me entregar
De vossa mente, vossa alma independente,
Vossa mais valiosa semente
A germinar em meu altar onipresente: o capital globalizado.