Saliva

Poema concebido em Campinas [SP/BRA] mai./2007

Argollo Ferrão, A. M. de (2007). Saliva [web]. Disponível em <http://argollo.org/tri/tri3/tri3-86/>.

ISBN 978-85-908725-0-4 / Publicado em 2008

Argollo, A. (2008). Saliva. In A. M. de Argollo Ferrão (Ed.). Entre símbolos e a perfeição (pp. 91-92). Campinas [SP/BRA]: O Autor.

Saliva
Tomo em minhas mãos, solenemente,
Uma garrafa de vinho tinto seco português
Que ela me ofereceu pronta a servir-se
E a servir-me – foi o que fez.
O saca-rolhas penetra calmamente,
Sem pressa nem ansiedade,
De maneira tal que sem esforço
A boca da garrafa logo está aberta,
Pronta a servir...
E nós nos servimos à vontade.
Encontro a dois, na dose certa,
Só mais um pouquinho...
O buquê inebriava-nos deliciosamente,
Muito mais que o próprio vinho
Pois a perspectiva do romance
Era mais nítida que a própria cena
Em que atuávamos a sós,
Como amantes
Livres de contexto.
Eu e ela, ela e eu:
Eu estrangeiro, ela nativa,
Doce período de inação contemplativa...
Eu reticente, ela assertiva,
Suaves momentos de ação seletiva...
Eu sedento, ela cativa...
E assim a noite passava
Enquanto a lua a tudo assistia
Absolutamente passiva.
Fazia frio, mas mantivemo-nos nus
Pois o calor vinha do vinho
Tinto seco, português.
Eu a fiz feliz, ela feliz me fez...
Ambos com água na boca
E o sabor de sexo na saliva.
Já ao final do rito,
Eu quase morto, ela quase viva...
Nos despedimos em paz,
Embevecidos de amor,
Flutuando numa atmosfera serena,
Absolutamente plena,
Maravilhosamente à deriva...